Razões para elaborar um projeto lavador de gases
Imprensa Publicado em 19/12/2024Nos últimos anos, a sustentabilidade tem se tornado um dos principais pilares para o desenvolvimento industrial. Nesse...
Francisco Carlos Oliver
Diretor técnico
Seguramente a presença da poluição ou não na água do Rio Sena foi um dos temas mais polêmicos das Olimpíadas de Paris 2024. O debate já havia começado bem antes do evento com muitas controvérsias e pontos de vista divergentes. O que fica evidente é que mesmo após o encerramento dos Jogos o problema deve ainda gerar discussões, no entanto há boas perspectivas para o embate depois da realização do maior espetáculo esportivo do planeta.
Não é de hoje que a Autoridade de Saneamento da Grande Paris tem feito modernizações nas redes de saneamento, o que incluiu, por exemplo, um alto investimento na década de 90 em infraestrutura de uma grande estação de tratamento na cidade. Houve também em 2015, o lançamento do plano Baignade ou ‘plano de natação’, visando várias ações concretas para limpar o rio mais famoso da França. O objetivo era sobretudo tornar o Sena propício para o cidadão se banhar e mergulhar. O projeto do rio ‘nadável’ foi inclusive base de campanha eleitoral da atual prefeita de Paris, Anne Hidalgo.
Para demonstrar a segurança do rio, que estava apto para receber os atletas, antes dos jogos, a prefeita de Paris nadou no rio, imitando o ato do prefeito Eduardo Pais, que mergulhou num local da Baía de Guanabara, onde houve regatas de Iatismo e era reconhecida por seus problemas de poluição. Pais fez isso em 2015 para comprovar a melhora na qualidade da água e mostrar o compromisso da cidade com as promessas feitas para os Jogos Olímpicos do Rio, de 2016.
Desde os Anos 1960, especialistas têm afirmado que biologicamente o rio Sena está morto. Uma das razões era que das 32 espécies de peixes originais apenas 3 ainda resistiam. Aos poucos algumas espécies retornaram, contudo cerca de 70% delas ainda estão impróprias para alimentar os seres humanos.
Cientistas declararam que poluentes que aparecem nas análises químicas e biológicas da hidrovia são fortemente evidenciados a partir das chuvas e dos insumos das áreas agrícolas, que se avizinham em boa parte dos seus 776 km de extensão. O material poluente é originário também em grande parte da própria capital, Paris, e de outras cidades próximas ao leito. Para reverter essa situação o esforço até aqui tem sido especialmente em estações de tratamento e outras tecnologias avançadas de saneamento.
O banho no rio Sena foi oficialmente proibido há 101 anos, mas a partir dos Anos 1990 o governo da França fez grandes alocações de recursos para que os parisienses voltassem a se banhar naquele lugar um dia, o que ainda não foi concretizado oficialmente. No verão, por sinal, há construção de praias artificiais nas suas margens para apenas banho de sol, pelo menos por enquanto. As faixas são cobertas com areia branquíssima e tem a forte presença de guarda sóis e cadeiras espalhadas por toda a área. Até o verão de 2025, segundo informou a revista National Geography, a cidade planeja abrir três pontos públicos de natação ao longo do rio.
A pureza da água no Sena hoje em dia também está intimamente ligada às condições climáticas e quando acontecem chuvas mais fortes carregam ou escoam águas, como também resíduos poluidores para a calha fluvial. Durante o início dos Jogos Olímpicos 2024, as chuvas foram constantes em Paris. Isso elevou o índice de incidência de bactérias e se não houver raios solares (ultravioleta) que eliminam esses microrganismos o problema se agrava.
Por persistência da organização, nesta última Olimpíada, as provas de triatlo e de maratona aquática (de águas abertas) foram realizadas no leito do Sena apesar das informações conflitantes e da advertência dos riscos. Segundo notícias divulgadas pela imprensa internacional, as amostras de água eram analisadas todos os dias e os níveis de bactérias variavam bastante. Houve, por essa razão, ameaças de algumas provas serem suspensas durante o evento, o que seria um desastre esportivo para os atletas que se prepararam por quatro anos ou mais para aquele tipo de competição.
Os testes de qualidade da água com frequência indicavam na água, sobretudo, poluição fecal ou de esgoto, com altos níveis das bactérias E.coli e enterecocos. A bem da verdade, segundo especialistas consultados pelos organizadores, a maior parte das variedades desses microrganismos não faz mal às pessoas e algumas delas até vivem nos intestinos dos seres humanos e de outros animais.
O problema é que outras cepas da bactéria, às vezes, são perigosas também e apenas um copo de água contaminada pode provocar diarreia, e outras doenças infecciosas no sistema urinário ou no intestino. Cada organismo, porém, reage de um modo particular ao E.coli e depende também de vários fatores como saúde geral de cada indivíduo, idade e outras condições individuais.
Após as competições naquele curso d´água alguns poucos atletas reclamaram que ficaram com infecções estomacais, mas não houve como comprovar que o episódio tinha sido causado pelo polêmico líquido que corre entre as margens. Surgiram, entretanto, equipes participantes que se pronunciaram ostensivamente, dizendo que nenhum dos seus atletas ficou doente.
A epopeia da limpeza do Sena nos Jogos Olímpicos de Paris como foi relatado sinteticamente aqui tem muitas vertentes. O livro A Bacia do Rio Sena (The Seine River Basin), organizado em 2021 pelos cientistas Nicolas Flipo, Pierre Labadie e Laurence Lestel, oferece uma visão geral das pesquisas recentes sobre os contaminantes e a preocupação com a pouca documentação sobre o assunto na bacia do Rio Sena.
De acordo com a obra, por mais de três décadas, as fontes e a movimentação de micropoluentes para a água do Sena têm sido investigadas por pesquisadores. Os trabalhos científicos mais recentes como o programa PIREN-Sena incluíram uma ampla gama de produtos químicos e contaminantes biológicos, cuja ocorrência, movimentação e impacto foram ainda documentados de forma rasa.
Neste livro, os autores descrevem, por exemplo, a existência de contaminantes bem diferentes como macro e microplásticos (detritos plásticos oriundos da fragmentação de plásticos maiores), produtos químicos ‘eternos’, organismos que são capazes de causar doenças, e até a presença de antibióticos e a respectiva resistência de microrganismos a este tipo de medicamento.
O Programme Interdisciplinaire de Recherche sur l’eau et l’environnement du bassin de la Seine (PIREN-Seine, em francês) é um programa de pesquisa cujo objetivo é desenvolver uma visão geral do funcionamento do sistema formado pela rede hidrológica do Rio Sena, sua bacia hidrográfica e a sociedade humana que o utiliza a se acomoda ao seu redor. O funcionamento ecológico de todo o sistema fluvial e sua modelagem (de bactérias a peixes) são baseados em um estudo detalhado dos processos físicos, químicos e biológicos dos ambientes aquáticos. O programa, como expõe o livro, ainda quer atuar mais de perto com os gestores e usuários do rio.
Os pesquisadores já pediram aos moradores locais que fornecessem amostras de água coletadas de margens inundadas para monitorar contaminantes. Na sequência, está prevista a formatação da interação pesquisador-usuários para os resultados da estação de medições e os resultados da modelagem para melhorar no âmbito local. Contudo, há inúmeros desafios e complexidades ainda a serem superados neste trabalho complexo.
O fato é que para vários especialistas em tecnologia ambiental a despoluição do rio Sena até aqui não tem sido um fracasso, como alguns podem pensar erroneamente, e a intenção do projeto de limpeza do Sena é propiciar condições para a população de Paris se banhar tranquilamente e com segurança sanitária no rio nos próximos anos. As Olimpíadas, portanto, são apenas um marco para se chegar lá.
Outras megacidades no planeta poderiam se identificar com os desafios ou exemplo como esse, e também mergulharem no projeto de despoluição da bacia hidrográfica de suas cidades. Isso já foi feito com o rio Tâmisa em Londres e no Rio Jundiaí no interior de São Paulo, que consumiu 30 anos para sua recuperação. A missão pode levar anos e muito dinheiro, mas vale a muito pena tanto para as vidas humanas como para o ecossistema revigorar.